Tranças

O sino toca.
2:30 am.
Ela me chama, perdida na sua relação com o tempo, sequestrada por uma demência vascular.
Em mim, sistema cuidador ativado,
Coração na boca à espera de um perigo.
São tantos os perigos impostos pela fragilidade crescente. 
A cada sino, um confronto com a finitude.
Nela, um sorriso enorme estampado.
“Sonhei que estava fazendo tranças em você! “
Ambas se emocionam.
Memórias de amor compartilhadas.
Foram muitas, centenas de tranças até minha vida adulta.
Maria-chiquinha.
Tranças de raiz.
Tranças duplas.
Rabos com trança.
Tantos jeitos doces de domar fios cacheados em dias indomáveis.
Tantos jeitos de amar…
Ritual sagrado que só pude perpetuar em bonecas, uma vez que o futuro adiante me presenteou com os fios curtos de meus meninos.
Juntas, voltamos. Foi só um sonho. 
Mais que isso.
Memórias?
Saudade?
Luto antecipatório? 
Rimos.
Nos beijamos na promessa de uma nova trança ao raiar do dia.
Sempre é tempo de uma nova trança. 
Que bom ser sua menina mesmo quando você há um tempo, é a minha.