Quando para de doer?

Eis uma dúvida recorrente na rotina do consultório. Para aqueles que procuram um psicólogo especialista em intervenções com pessoas enlutadas, é comum a expectativa ou a busca pela analgesia da dor do luto. A vontade é de que houvesse uma pílula mágica.

A busca é pelo alívio da tristeza, da angústia, das ondas de desespero e desesperança que consomem a pessoa enlutada, em especial, no primeiro ano após a perda. A dor é tão grande que a ideia de analgesia atinge até os mais críticos do mundo farmacológico.

Luto é um processo normal e esperado diante de uma perda significativa, seja ela em decorrência da morte de alguém ou pelo rompimento de algum outro vínculo. Este processo precisa ser vivido dentro do contexto de vida de cada um, mas precisamos entender que de fato demanda muito esforço e gera estresse para quem o experencia.

A montanha russa emocional, cognitiva e espiritual que se aloja em nossas mentes consome um tanto de energia, chegando em alguns casos (em torno de 20% da população) ao desgaste e adoecimento físico e/ou psicológico.

É comum que o sofrimento seja percebido pelo próprio enlutado como algo inadequado, disfuncional e alguns cheguem a questionar a própria sanidade.

Perceber-se tomado por sentimentos, pensamentos e comportamentos centrados na falta de quem foi e na falta de perspectiva que podemos sentir diante da ausência tende a ser mesmo assustador. Isso nos desconecta da pessoa que um dia fomos e nos anuncia um futuro pra lá de desconhecido e cinzento: um que não gostaríamos, não foi planejado e nem ao menos reconhecemos.

Então, qual é a alternativa ao nosso desejo de anestesia da dor: a indicação é de que esta vivência seja encarada como um processo de cicatrização, de cuidado da ferida exposta que o sofrimento do luto nos causa.

Só que cicatrizar não significa curar, mas drenar a infecção, limpar o tecido morto (aquela parte que se vai com quem amamos) e diminuir a ferida que gradativamente – quando bem cuidada – torna-se uma marca em nosso corpo e em nossa história.

O luto torna-se uma cicatriz que conta uma história de amor que jamais deixará de existir. E ela existe para nos lembrar: quem se foi se manterá presente, sempre fará parte de quem somos.

A gente não pode ter pressa para que o luto acabe, devemos sim, esperar que ele seja amenizado e nos permita seguir em frente. Não há um limite, uma régua, uma escala. O luto certamente mudará de intensidade, de cor. Thomas Attig, filósofo americano especialista em luto, nos diz que no começo “somos” a dor. Depois, passamos a “ter” a dor.

E lembre-se: quando a ferida dói muito, ter a ajuda de alguém que segure a nossa mão ou assopre o remédio ardido pode facilitar muito o enfrentamento do processo de luto.

E por onde andam seus remédios? Você já sabe o que e quem te ajuda a lidar com a dor? Então, use e abuse.


Publicação original – 29 de novembro de 2021
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