E quem guarda o guarda?

Você já pensou sobre que tipo de sofrimento tem a pessoa que assume o papel de cuidador de alguém doente? Como a morte da pessoa que era cuidada é recebida por esta pessoa que esteve ali próxima por longos períodos? Quem guarda o guarda? Quem cuida de quem cuida?

Os cuidadores às vezes são alguém da família: filho, filha, irmão, mãe; outras vezes, contratados para fazer este serviço. Nem sempre a pessoa faz parte da estrutura familiar e também não pertence às equipes de saúde. Pode ser uma pessoa avulsa, que flutua entre os dois grupos.

O cuidador é a pessoa que carrega o piano: troca fraldas, dá banho, ajuda a caminhar, alimenta. Fora todo o trabalho físico envolvido, os cuidadores precisam, sobretudo, ter disponibilidade emocional para aqueles aos quais se dedicam. Cuidar é um ato de amor. E o reverso desta moeda fica mais aparente quando o vínculo se rompe: o luto.

Lamentavelmente, nossa sociedade banaliza o sofrimento dos cuidadores. Destaco aqui, em especial, dois motivos: Em primeiro lugar, esta é uma função que pressupõe recursos psicológicos, empáticos e físicos que, muitas vezes, podem ser vistos quase que como uma imunidade, uma capa que protege da dor da perda. Em segundo lugar – e muito, também, por causa do primeiro – nós ignoramos socialmente o investimento emocional no ato de cuidar, especialmente quando é realizado por alguém contratado.

Diante desta interdição, a sobrecarga por sofrerem de forma isolada um processo de luto não legitimado impõe aos cuidadores uma experiência que tende a ser mais solitária, intensa e que, eventualmente, pode ser deslocada para outros sintomas de ordem psicológica ou somática.

A negação desta experiência é tão forte que nem mesmo os cuidadores reconhecem o próprio luto e não associam suas reações a este processo. E se nem mesmo o guarda reconhece suas próprias necessidades, quem irá protegê-lo?

Se você cuida de alguém de forma estável e a longo prazo, este texto é para você! Pare por alguns minutos e pense no vínculo que você construiu ou estreitou com a pessoa para a qual dedica a sua atenção. Este vínculo e uma eventual quebra dele têm um impacto em você. Reconheça-o, valide-o, expresse-o.

Em outras palavras: não é motivo de vergonha ou desajuste se sentir assim; pelo contrário: o cuidado humanizado é o bem mais precioso de quem se debruça neste ofício.

Não tem receita de bolo ou fórmula. Mas, ao reconhecer o seu sofrimento, busque compartilhá-lo. Uma dor expressa e acolhida tende a ser aliviada. Para seguir cuidando, você precisa ter algo para oferecer – e isto só é possível de ser mantido se você treinar como alimentar as suas próprias necessidades emocionais.

Aos que convivem com um cuidador, não esqueçam de guardar o guarda. Uma comida preferida, um carinho físico, uma escuta silenciosa, mas acolhedora, qualquer movimento na direção dele reconhecendo suas necessidades, limites e desejos diante do luto vivido. Um “lamento por sua perda” ou “como você está?” pode fazer muita diferença neste contexto.

A empatia precisa ser exercida com todos, inclusive com aqueles que, por diversas razões, não expressam suas vulnerabilidades. A invisibilidade no luto é uma violência que gera sofrimento secundário e sobreposto à dor da perda.

E você, já esteve neste papel de cuidador? Como se sentiu? Conhece alguém que esteja nesta função? O que acha que pode fazer por ela nos próximos dias e semanas?


Publicação original – 25 de outubro de 2021
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